segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Sobre não ser






                   (foto de van_conc )


Eu ainda me pergunto com que roupa eu devo sair de casa, sem correr o risco de ouvir um "oh lá em casa", "seu pai caprichou em", "gostosa", "e eu nada em princesa", "delícia", "com esse short aí, tá pedindo em" e as outras merdas que  nós mulheres somos obrigadas a ouvir ao sair na rua. Eu ainda me pergunto, como se a forma com que eu me visto fosse responsável por esse assédio. Não é!
Eu ouço sempre as mesmas coisas. Não importa se eu saio de camiseta e shortinho ou de camisa polo e calça jeans larga. Eu ouço sempre as mesmas coisas.
E o incomodo é sempre o mesmo. Sair de casa é um martírio. Eu evito passar sozinha em lugares em que há uma certa concentração de homens porque as expressões, as frases, os gestos me intimidam. Sair na rua é assumir uma guerra. É saber que o inimigo pode atacar a qualquer minuto.
Na sala de aula eu tento me impor mas quando não sou interrompida por "macho alfa" com o ego ferido pela minha ousadia, eu acabo me sabotando ao ver todos os olhares em minha direção. Acontece que não somos criadas para nos impor. Somos criadas para ouvir e calar. Somos criadas para evitar certas situações e não enfrenta-las. Somos criadas para abaixar a cabeça e deixar o homem falar por nós. Somos ensinadas que se realizar como mulher é ser uma boa mãe, uma boa esposa, uma boa dona de casa e ser ótima na cama.
Somos ensinadas que o nosso corpo não é nosso, e que temos que adéqua-lo a um padrão. Somos ensinadas que se engravidarmos, temos que ter esse filho, mesmo que o nascimento desse possa significar a nossa morte. Somos ensinadas a apanhar calada, porque somos sujas e estamos sempre erradas. Somos ensinadas a pensar sempre no outro e nunca em nós. Somos  ensinadas a passar por essa vida sem protagonismo. Somos ensinadas a odiar as outras mulheres. Somos ensinadas a pertencer a alguém, que quando não é nosso pai, é nosso marido ou nosso filho. Somos ensinadas que só seremos respeitadas se tivermos um homem do lado.
E nós mulheres negras, além de sermos duplamente obrigadas a passar por esse "ensino", temos também que sofrer com as aulas extras. Somos ensinadas a  odiar nossos traços. Somos ensinadas que não merecermos ser amadas, somos constantemente preteridas. Somos vista como meros instrumentos sexuais. Somos invisibilizadas pela mídia e quando aparecemos estamos em papéis que fortalecem estereótipos dessa nossa sociedade machista e racista. Somos ensinadas que o único trabalho que nos serve, são os trabalhos subalternos. Sofremos com a opressão de gênero mas também com a opressão de raça e na maioria das vezes com a opressão de classe.
Somos ensinadas a temer e respeitar e a não ser nada, a não querer ser nada. Mas somos!


Vanessa dos Santos



você também encontra esse texto e mais em: Crise dos vinte   onde sou colaboradora.



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