sábado, 7 de maio de 2016

Você é mãe! Mas antes de tudo, lembra que você é mulher.



Vera é o alicerce de sua família.


Desde pequena aprendeu que sua obrigação era cuidar de todxs, e sem nunca questionar, assim o fez. Cuidou da mãe, dos irmãos, do pai, da madrasta, dos sobrinhos, da vó... Vera cuidava da família toda, menos de si. 

Parou de estudar na 4ª série do ensino fundamental. 

Aos 29 anos, Vera que já era mãe de todxs, engravidou pela primeira vez. E o presente que ela recebeu de sua família, foi muitos julgamentos. Ela aceitou tudo calada.

No dia em que daria a luz a sua filha, o dia que é dito como “ o mais especial da vida de uma mulher”, não foi nada fácil para Vera. Naquele dia, ela sofreu a dor do parto, a dor do abandono do companheiro que não ficou ao seu lado e também sofreu com o descaso médico.

Ela que não tinha mais forças, teve que ouvir do médico que dava plantão naquele maldito hospital, que ele se negava a fazer à cesariana, por achar que Vera era o “tipo de mulher que aguentaria a dor”. Vera assim como milhares de mulheres negras e pobres sofreu violência obstétrica. Ela e sua filha quase morreram naquele dia.

Mas Vera, como sempre, resistiu. E agora não estava mais sozinha.

Depois de passar um tempo na casa do pai, mudou-se para a casa do homem com o qual havia tido à filha. A convivência que no começo parecia ser amigável, mostrou-se cada vez mais tóxica. Entre traições e humilhações, ela reagiu pela primeira vez. 

Deu um fim naquela relação abusiva.

Saiu daquela casa, levando sua filha de apenas três anos. E mais uma vez enfrentou o julgamento de sua família.

A mãe que sempre cuidou de todxs, nunca recebeu nada em troca. Nem mesmo, um agradecimento.

Eu conheço Vera desde que eu nasci. Vera é minha mãe, minha mainha.

Mainha me criou sozinha, me cuidou sozinha. Mainha lutou por mim, pela minha vida, pelos meus sonhos. Ficou noites e noites acordada enquanto eu ardia em febre. Mainha se dedicou e dedica a vida por todxs. E não deveria ser assim. 

A mulher negra sempre foi vista como a "mãe de todxs", a cuidadora, a mulher que aguenta tudo, a que é forte, a que cuida da família inteira.

E minha mãe não escapou desse modelo pré-definido. 

Minha mãe nunca reclamou de ter que parecer forte o tempo todo, de ter que aguentar as dores dos outros, de ter que dividir, de ter que cuidar. Mesmo que essa entrega não fosse reciproca.

Vera é mãe, mas também é mulher.

Uma mulher incrível e inteligente,  que teve poucas oportunidades, e as que teve, abdicou. E tudo que ela fez, foi pelo outro, foi por mim e pela família. Ser mãe não deveria ser sinônimo de entrega total. Além da mãe, existe um ser humano que tem vontades, desejos, medos e sonhos.

É preciso desconstruir a ideia da mulher negra como "mãe de todxs". É  preciso desconstruir a ideia romântica do que é ser mãe.

Mainha, depois que eu entrei na faculdade, voltou a estudar. Mainha, é meu primeiro e maior exemplo de mulher. 


Obs: 

Esse texto é um agradecimento mas é também um pedido de desculpa.
É um pedido de desculpa, mãe, por toda a ingratidão da nossa família, da minha e das atitudes de meu pai.
É um pedido de desculpa por ter recebido muito e ter dado tão pouco.
É um pedido de desculpa, pelo meu feminismo que me liberta mas que muitas vezes, não tem olhado para as suas inseguranças e para as suas questões, mãe.
É um pedido de desculpa pelos sonhos que você abdicou e pelas horas que trabalhou até a exaustão.
É um pedido de desculpa por não ser a filha que você merecia ter.
Esse texto é também para te dizer que tudo que eu faço é por nós duas. É tudo por você, mãe.

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