domingo, 31 de julho de 2016

reflexões acerca do "Quarto de despejo" de Carolina Maria de Jesus, e "Um teto Todo seu" de Virginia Woolf.




Carolina Maria de Jesus e Virginia Woolf, duas mulheres com trajetórias totalmente diferentes e vidas marcadas pela literatura, trazem em suas obras reflexões importantíssimas para tratar as questões de gêneros. Apesar de Virginia negar que sua obra tratasse de uma obra feminista e Carolina estivesse apenas escrevendo em seu diário, as reflexões provocadas por essas se fazem extremamente importante para a quebra da cultura que estar dada.
Carolina Maria de Jesus era uma mulher negra, pobre, mãe solista de três filhos, catadora de lixo e poetiza que estudou até o segundo ano do primário, os livros os quais tinha acesso eram encontrados no lixo e vivia em uma favela  em São Paulo. Já Woolf era uma mulher branca, de classe média alta, não teve filhos, não estudou apesar de ter tido acesso a grandes obras literárias, era casada, mantinha com seu marido uma editora, vivia de forma confortável. Vivia uma vida completamente diferente da vida de Carolina, sofriam opressões diferentes, mas o que as unem é o amor que sentiam pela literatura e pela escrita.
Escrever era para Carolina, o plano perfeito para fugir dos “hematomas” deixados pelas injustiças e opressões sociais, da dor da fome e das dores da vida. As dores da vida foram crucias para Woolf, que se suicidou aos 59 anos. Carolina embora vivesse uma vida de necessidades e humilhações, abominava o suicídio, mas em um momento de impotência pensou nessa possibilidade. Ainda que das dores da vida, ninguém escape, o que diferencia é o quanto doí em cada um, é como lidamos com elas. Das dores da vida Carolina não escapou, mas achou refugio na fé. A fé salvou Carolina.
Alias como são bonitas as linhas que traduzem a fé de Carolina, as injustiças doem, sangram, causam incomodo, mas Carolina não desacredita. Carolina escrevia a luz de vela, vivia em um lugar aonde as oportunidades não chegavam, na verdade ainda hoje não chegam, e mesmo assim, ela escrevia. Escrevia como se soubesse que seu sonho iria se materializar. Carolina tinha fé, e essa não cabia só em um Deus, mas as entrelinhas mostram que a fé era, sobretudo, nela mesma. Carolina é o exemplo concreto de fé em si. 
As vidas de Carolina e de Virginia se entrelaçam com a de tantas outras mulheres, claro que cada uma em seu contexto. A Vida de Carolina reflete a vidas de tantas mulheres negras. A solidão, a vida de mãe “solteira”, ou melhor, de mãe solista, a educação precária, o lugar de subordinação, as humilhações, a falta de espaço. A história contada por Virginia, que em muitos pontos, reflete a própria historia da autora, é também a historia de tantas outras mulheres, de mulheres brancas, onde o questionamento principal é a falta de espaço, de liberdade e de autonomia problemas pelos quais essas mulheres ainda passam. 
Entre tantas diferenças sociais enfrentadas por essas mulheres, acredito que o maior abismo entre esses dois grupos é o acesso à educação de qualidade. Por exemplo, devido às experiências históricas, como o processo da escravização, a pobreza e como consequência as inoportunidades são conceitos racializados.  o Brasil é um país que foi criado em cima de um mito de democracia racial, a qual diz que somos uma nação igualitária, que vivemos sem conflitos e que o respeito é algo mútuo. Mas a verdade é bem diferente os negros e os índios nunca tiveram oportunidades iguais ao do resto da população, é visível o tratamento de descaso dados a esses grupos étnicos. A indiferença do governo com as escolas publica, aumenta ainda mais a desigualdade social existente no Brasil, as crianças que estão e que precisam dessa instituição, em sua maioria, são os grupos que estão às margens da sociedade, nesse caso faço referencia aos índios e aos negros de classe média baixa. A escola publica encontram-se sem total condição de funcionamento, apresentando falta de professores, falta de material, falta de estrutura, falta de segurança e muitas outras faltas que impedem os alunos (que já sofrem com suas próprias “faltas”) tenham um ensino de qualidade e que os façam disputar igualmente uma vaga numa universidade. 
 As pessoas negras, por exemplo, são minoria nas universidades públicas, e não por falta de capacidade ou por falta de vontade mas por falta de oportunidade. Hoje á toda uma discussão em torno do sistema de cotas, há pessoas que acreditam que não é justo com os outros grupos da sociedade, há pessoas que acham que esse sistema só aumentará o preconceito racial no Brasil, há quem acredite que diminuirá a qualidade do ensino das faculdades, mas há também os sensatos, que acreditam que esse programa trará (assim como traz) um desenvolvimento na sociedade a tornando menos desigual, pelo menos nas oportunidades. E é importante evidencia que segundo uma pesquisa realizada por uma renomada universidade do Brasil a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) no ano de 2011 mostra que o desenvolvimento dos cotistas em disciplinas de grande complexidade no primeiro e no segundo período é superior a dos não cotistas e que provavelmente seguiram o curso sem dificuldades:
(...) a frequência dos alunos cotistas supera os 10%, pois se encontram percentuais mais relevantes, inclusive para Probabilidade I, disciplina do 2º período, mostrando que se o aluno for aprovado nas disciplinas obrigatórias do primeiro período, deverá cursar sem grandes dificuldades as dos períodos subsequentes. (Avaliação Qualitativa dos Dados sobre Desempenho Acadêmico UERJ, 2011, pag.42).

Contudo, as mulheres negras por estarem na base da pirâmide social, no ultimo degrau sofrem com essa desigualdade, apesar de serem a maioria e no grupo de pessoas negras a entrarem na universidade, elas não continuam na carreira acadêmica. A chance dessas mulheres de fazerem um mestrado, ou um doutorado é mínima, isso também acontece com as mulheres brancas, só que em uma frequência menor. Mas essa não é a única desvantagem social que esses grupos de mulheres precisam conviver, por exemplo; mulheres brancas ganham menos que os homens brancos, mulheres negras ganham menos que os homens brancos, negros e que mulheres brancas. Mulheres brancas sofrem com a falta de oportunidade no campo literário (assim como em outros campos) mulheres negras sofrem duas vezes mais com essa falta.

A verdade é que para o homem, e aqui me refiro ao homem branco, às oportunidades são garantidas. Para o homem o sexo não é um tabu, o homem  pode exercer sua sexualidade abertamente, mas para a mulher a sexualidade é vista como uma coisa ilegal. Para a mulher negra não há amor, a solidão afetiva ainda é uma marca em sua vida. A mulher branca luta para ter direito a escolher entre uma relação aberta ou não. Enorme é o abismo que separa essas mulheres.

Apesar de serem duas obras e duas escritas completamente diferentes as historias de resistência se fazem presentes o tempo todo. O amor pela escrita também. As ideias se contrapõem algumas vezes, como por exemplo quando a Woolf afirma que para que uma mulher possa escrever, ela precisa de um “teto todo seu” e Carolina subverte toda a logica e mesmo sem dinheiro, sem tempo, com filhos, outros trabalhos ela escreveu. Mas no final as duas são exceção, mulher escrevendo é uma fuga a norma. Mas o que é inegável é impacto causado por essas obras e o pequeno rastro de esperança sobre o futuro. Ler “Quarto de despejo” e “Um teto todo seu” e de fato transformador.

Super recomendo a leitura




Referências
 WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Nova Fronteira, 1985.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: Diário de uma favelada. 7ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1998. Lizandra Souza.
GOMES, J. B. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
Prof. Alberto Mello e Souza, Prof.ª Celina Aída Bittencourt Schmidt, Prof. Gaudêncio Frigotto, Prof. Gerson Pech, Prof.ª Hilda Maria Montes Ribeiro de Souza, Prof.ª Marly de Abreu Costa, Prof.ª Regina Serrão Lanzillotti, Prof.ª Stella Marins Nunes Amadei e Prof.ª Vera Cabana.  Avaliação Qualitativa dos Dados sobre Desempenho. Rio de Janeiro: UERJ, 2011.

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