segunda-feira, 18 de maio de 2020

É óbvio.

É óbvio.






Semana passada uma amiga jogou  algumas questões no grupo de Whatsapp, do qual também faço parte. ela questionava: “será que estamos errados? E a verdade é a deles? Será que estávamos errados esse tempo todo?”

Uma outra integrante disse "eu também estive pensando nisso.".

Eu engoli a seco aqueles questionamentos, porque eles já haviam dado uma passada pelos meus pensamentos, após o resultado da eleição de 2018. Pensei que eu poderia está errada, já que a uma grande parte optou por apertar o 1 e depois 7 na urna eletrônica e uma outra grande parte, decidiu abrir mão do voto e dessa forma pagou pra ver no que dava.
Tive esse pensamento embora os discursos de ódio e a falta de preparo visivelmente explícitas naquele candidato ainda fizessem eco na minha mente. Situação que me angustiava.
Mas a vida seguiu, lembrei que mesmo com uma ameaça constantemente dirigindo a nação, certa ou errada,  eu estava a margem. E quem está a margem da sociedade está sempre resistindo, mesmo quando não se tem consciência disso. Resistir é o nosso modus operandi.
E não demorou muito, tivemos as primeiras provas de que não estávamos errados.  Entre muitos escândalos e cortes de verbas, nós, os quais optamos pelo caminho mais lógico, estávamos vendo àquilo que a gente mais temia se materializar, ali, na nossa frente.
 Antes estivéssemos errados, eu pensei.
Mas agora, no meio de uma pandemia, a questão ressurgi.
Será que estamos errados?
Um outro amigo  respondeu  a questão desesperada e desesperadora:
“Não, nós não estamos errado. Olha o tanto de gente que saiu do lado dele, e que recebia para está lá” essa já seria uma ótima resposta. Já que vivemos  (ou sobrevivemos {ou melhor resistimos}) sob a sombra do capitalismo, não é mesmo?
Me  arrisquei a dizer ‘Não estamos errados, não. Olha para história, veja o exemplo de figuras benéficas e justas que resistiram a criaturas autoritárias e cruéis como essa. Eles não estavam errados”.
Ele só estará certo se a lógica do mundo  for outra, pensei aflita. Entretanto ainda com a  esperança que a nossa lógica da compaixão, bondade e caridade (ainda que pareça está fora de moda. Mas eu falei “parece") fosse a correta.
Ok essa é uma lógica cristã, que foi a que eu aprendi com a minha família quase cristã. E  agora estou generalizando. Mas não foi em cima dessa lógica que a nossa cultura foi construída? Mesmo que na prática valores como compaixão, bondade e caridade não funcione como o esperado (ou funcione como o esperado, depende de quem espera).
Mas para descobrir a verdade (porque a verdade vos libertará) pergunte aos negros, as mulheres, aos indígenas e aos demais povos do campo, as pessoas com deficiência, aos lgbtq+ como esses valores funciona na prática para eles socialmente... e a verdade chegará.
Mas de repente, enquanto minha esperança escorria, e a certeza de que eu não estava errada, parecia me abandonar.  M uma outra integrante daquele grupo de Whatsapp, usa a frase que nos puxa de volta pra realidade “vocês estão doidas? olhe porque eu não estou doida, não! e nem errada. “ . A frase mais sensata.
No meio daquele delírio coletivo de incertezas sobre se o lado escolhido era realmente o correto, trazer a gente de volta para realidade, questionando a nossa sanidade por pensar que optar pelo que parecia mais justo e não pelo que a maioria achava o certo, poderia ser o lado “errado” e  afirmando a sua própria sanidade, foi sim o melhor gesto de amizade naquele momento rs.
E foi ai que entendi a frase " o óbvio também precisa ser dito", e precisa mesmo. Essa frase é o título do livro do Guilherme Pintto, e eu não sei se ele discute  sobre esses “óbvios” que nos traz de volta para a realidade, eu não li o livro. Espero que seja.  Mas pra mim, esses “óbvios”  ainda precisam ser ditos, e por favor se você for meu amigo, me diga obviedades sempre. (Sou geminiana demais e isso que dizer que, mentalmente, uma hora ou outra eu vou me perder)

Em meio a esses "surtos" derivados não só da quarentena consequente  desse cenário trágico e triste de pandemia, mas também dessa situação política angustiante, caótica, humilhante, deplorável, podre... ouvir o que é óbvio parece ser uma chave importante para manter a saúde mental em dia. Ou pelo menos para não se perder no meio de tantas incertezas.

Saber que o caminho que a gente escolheu percorrer por empatia, por sobrevivência ou ambos, é o óbvio, isso por colocar,  a vida, a natureza e  a diversidade,  a frente da destruição, do consumismo e do capital; e de fato o mais justo e menos delirante,  é um conforto para enfrentar o dia a dia.

E quer saber? Isso é ÓBVIO.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Parem de nos matar!

Parem de nos matar!


Parem de nos matar.
Mariana Santana - Cientista Social.


Exijo respeito,  pois não sou sua propriedade.
Chega,  chega,  desse sistema de opressão.
Chega,  chega,   desse sistema de dominação 
Chega chega,  desse sistema de exploração 
Pega visão macho
Em mim tu não manda não 


Cansei de ouvir te amo 
E no outro dia só levar porrada 
Cansei de ouvir vou mudar
E no outro dia ser maltratada 
Cansei de chorar pedindo a Deus que você  parasse de me bater 
Lutei várias vezes pra não morrer 
Sobreviver e sobreviver 
Mas quem ama não faz ninguém sofrer.
Quem ama não ameaça
Quem ama sabe ouvir que não é não 
Quem ama não mata.
Pega visão macho

Muita mulheres sendo mortas e a sociedade nada faz
Será mesmo que a Lei Maria da Penha está sendo capaz?
Capaz de proteger as mulheres?
Acredito que não. 
O homem não sabe que não é não
Se soubesse não partiriam pra agressão 
Homens vocês não são chefão
Homens vocês não são nossos donos
Aceitem, não é não 
Pega visão macho

Exijo respeito, não sou tua propriedade 
Não vem falar comigo com autoridade 
Não sou tua propriedade 
E se tu gritar
E se tu xingar 
E se tu ameaçar 
E se tu tentar nos calar
Tu vai conhecer que a cadeia será teu lar e é nela que tu vai mofar.
Pega visão macho 
Pois tu  não manda em mim não. 



quinta-feira, 1 de novembro de 2018

A quem serve o amor? Afetividade e solidão de mulheres negras.

A quem serve o amor? Afetividade e solidão de mulheres negras.


(feito no paint 3D rsrs por Vanessa dos Santos)

Vanessa dos Santos da Conceição

 Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim? Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem – desde que eu tivesse oportunidade para isso – e suportar o açoite também! E não sou uma mulher? Eu pari 3 treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não sou uma mulher?”(E não sou uma mulher? – Sojourner Truth, 1851)
Durante todo o período escravocrata a mulher negra passou por diversos tipos de abusos, que feriram sua dignidade. Até mesmo nos dias atuais esse grupo sofre com a estrutura que decore desse período. A afetividade do povo negro passou a ser pensada, á parti da explosão do Feminismo negro norte americano. Nesse momento surgiu um enorme interesse nos estudo sobre os aspectos conjugais e sobre o celibato da população negra nas pesquisas demográficas, com recortes raciais e sexuais, em alguns centros acadêmicos brasileiros, diz Ana Cláudia Lemos Pacheco (2008).

Pesquisadoras negras discutem como a afetividade, ou a falta dela marca as experiências de mulheres negras. Bell Hooks (2000) afirma em “vivendo o amor” que a escravização foi um ponto crucial na formação do modelo de afetividade das pessoas negras. As crueldades vividas enquanto escravizados (as vendas de seus filhos, de seus amantes e familiares, as agressões, abusos) criou entre os negros um modelo de relação violenta e reprimida baseada no sistema de dominação que eram submetidos. Com o afastamento a que eram submetidos, praticar o amor nesse contexto poderia tornar uma pessoa vulnerável a um sofrimento insuportável, o que contribui para endurecer as relações entre a mulher negra e o homem negro.

A Pratica do amor não fácil, especialmente quando, por diversas vezes, se acredita que esse amor não lhe pertence. Ainda hoje esse modelo afetivo é reproduzido por meio da dificuldade de falar dos sentimentos, de demonstrar afetividade. No caso das mulheres negras a sociedade desenvolveu maneiras de negar esse amor de formas bastante explícitas. Um exemplo é a desvalorização da natureza feminina da mulher negra. Quando acontece uma situação de violência á comoção direcionada á mulher branca é maior do que quando acontece á uma mulher negra. Normalmente situações abusivas e violentas contra mulheres negras são facilmente invisibilizadas, esquecidas ou até mesmo justificadas por algum comportamento da vitima que passa assim a ser culpabilidade. Bell Hooks (1981) associa esse comportamento seletivo aos estereótipos dado as mulheres negras. Quando eram abusadas por homens brancos levaram fama de imorais, de sexualmente depravadas e perdidas.  E como justificativa para essa exploração sexual os abusadores diziam que esse comportamento era promovido pelas mesmas. Com isso as mulheres negras passaram a serem vistas como selvagens e não humanas.  Pode-se perceber esse discurso muito forte na literatura por exemplo.

Gilberto Freyre, para afirma uma suposta superioridade que acreditava existir entre mulheres brancas e negras utiliza um ditado que diz que “Branca para casar, mulata para foder e negra para trabalhar”(1933, pag.72) assumindo uma postura que separa e define um padrão de mulher para se formar um ambiente familiar.  Até nas músicas o ideal de mulher que é cantado não é a mulher negra. Sueli Carneiro (2001) afirmou em seu texto “Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero” que os poetas e os compositores que trazem em suas letras declarações desesperadas, cheias de romance e paixão, não se reportam às mulheres negras. Pelo contrario as musicas, essa que tem contato direto com o inconsciente coletivo só reforçam estereótipos negativos da ideologia do embranquecimento.
Essa mulher que teve sua humanidade destruída tem lugar na fila do amor?
Segundo a Antropóloga Claudete Alves da Silva Souza, em sua tese “A solidão da mulher negra – sua subjetividade e seu preterimento pelo homem negro na cidade de São Paulo” chegou à conclusão que: 

A análise dos dados mostrou que os sujeitos consideram que existe uma situação de desvantagem da mulher negra em comparação com a mulher branca no que concerne à preferência do homem negro na escolha de parceira afetiva e conjugal. Esta situação repercute com mais intensidade nas jovens negras, independente da classe social. O comportamento do homem negro foi percebido como resultado de uma desvalorização social da população negra do Brasil, de longa data, que vem estimulando os jovens negros a procurar clarear a família.  (SOUZA, Claudete Alves da Silva. A solidão da mulher negra – sua subjetividade e seu preterimento pelo homem negro na cidade de São Paulo. São Paulo, 2008.)
A autora confirma que há sim um preterimento da mulher negra pelo homem negro. No cotidiano é possível ouvir frases como “vai limpar a família” e “negra de barriga limpa” a primeira se referindo a uma provável gestação fruto de um relacionamento inter-racial e o segundo as mulheres negras que tiveram filhos de pele mais clara. Isso também diz muito sobre a afetividade entre pessoas negras. Homens negros ainda preferem mulheres brancas ou mesmo mulheres negras de pele clara (quanto mais clara mais aceitável) para manterem relacionamentos amorosos. Enquanto mulheres negras de pele retinta são mais propensas ao celibato definitivo.  
Ana Claudia Lemos Pacheco, por sua vez, ao desenvolver uma pesquisa, a qual foi realizada na Cidade de Salvador (considerada a cidade mais negra fora do continente africano), com mulheres negras ativistas e não ativistas para analisar as experiências desses dois grupos com a solidão. Teve como de objetivo perceber como as categorias raça, classe, gênero e outras influenciam nas trajetórias afetivas dessas mulheres a antropóloga concluiu que:

“... Pode-se afirmar que as mulheres negras investigadas, dos dois grupos estudados, tentaram burlar a solidão, isto é, a ausência de parceiros, atribuindo-lhes significações produzidas numa rede de emaranhados de categorias que denotam maneiras de pensar e de negociar às suas escolhas, na busca por outros caminhos, novos espaços sociais. Esses espaços se materializaram no trabalho, na família, na política, na comunidade, no bairro, na escola, no sindicato, na religião; produziram novas redes de relações sociais, redefinindo-as, quebrando tabus, lutando contra a opressão, politizando os seus corpos por meio de novos contextos corporificados.” (Pacheco, 2005, pag. 357, 358).

A antropóloga não nega o preterimento que é sofrido por esse grupo, no entanto mostra uma nova perspectiva sobre a situação de solidão e afetividade vivida por essas mulheres. A pesquisa vem afirmar que a solidão ganhou uma nova ressignificação e passou a ser lida por essas mulheres como um signo de libertação e não de submissão como quer o “feminismo” descontextualizado, que insiste em negar as diversas experiências (sociais e afetivas) dos sujeitos e de seus corpos, que nem sempre são “brancos de classe média e heterossexual.” (Pacheco, 2005, pag. 358).

 Mas a pergunta que não quer calar é: se esse comportamento é herança de uma estrutura decorrente de um passado escravocrata porque mulheres negras também não reproduzem esse comportamento?

Deve-se leva em conta que não apenas os homens negros estão sujeitos a esse comportamento, mas também as mulheres negras heterossexuais ou homossexuais. No entanto esse comportamento que é comprovado por meio de estáticas. Segundo os dados do Censo do IBGE de 2010, as pessoas que busca se relacionar com pessoas da mesma raças foi percebido de forma mais forte entre os brancos (74,5%), pardos (68,5%) e indígenas (65,0%). Conforme o estudo, 45,1% dos pretos estavam unidos alguém do mesmo grupo étnico, sendo que os homens pretos tenderam a escolher mulheres pretas em menor percentual (39,9%) do que as mulheres pretas escolhem os homens do mesmo grupo (50,3%).(Portal G1, 2012)

Contudo não resta duvidas de que afetividade de homens negros e homens brancos não são por mulheres negras, enquanto mulheres negras preferem se relacionar com pessoas da mesma raça. O padrão de mulher a ser amada, nem a de esposa parece não ser a mulher negra. O padrão do que se considera ser uma mulher, não é a mulher negra. Por sua vez, as mulheres negras encontraram alternativas para romper com esse lugar solitário que lhe foi posto. E conseguem transformar o que socialmente é visto como algo triste e melancólico em algo positivo, quebrando padrões de relações que esta dado.
É preciso salientar que esse trabalho fala de solidão na perspectiva de afetividade. A solidão da mulher negra não apenas diz respeito a ter ou não um parceiro, mas também quando não tem suas demandas por direitos atendidas, quando o seu luto pela execução de seus filhos pela Polícia não é respeitado, quando as mortes de negras/os são desprezadas, quando os seus conhecimentos são desvalorizados, quando recebem tratamento desigual nos serviços de saúde, quando sua sexualidade e a autonomia sobre o seu corpo não são respeitadas e sobre tantas outras situações.

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Referencias:

·         Carneiro, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na américa latina a partir de uma perspectiva de gênero. revista LOLA Press nº 16, novembro 2000.

·         FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala, 50ª edição. Global Editora. 2005.

·         Hooks, Bell. Vivendo o amor. Disponível em: https://www.geledes.org.br/vivendo-de-amor/ acesso. 13 de setembro de 2017.

·         Hooks, Bell. Não sou eu uma mulher. Mulheres negras e feminismo.  Plataforma Gueto. 2014 (1981)

·         NINA RODRIGUES, Raymundo. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1934.

·         Mais de um terço de uniões no país é consensual sem casamento, diz IBGE. Disponível em http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/10/mais-de-um-terco-de-unioes-no-pais-e-consensual-sem-casamento-diz-ibge.html. Acesso em: 13 de setembro de 2017

·         SOUZA, Claudete Alves da Silva. A solidão da mulher negra – sua subjetividade e seu preterimento pelo homem negro na cidade de São Paulo. São Paulo, 2008.

·         Pacheco, Ana Cláudia Lemos.  Mulher negraAfetividade e solidão. Edição: 1ª. Editora: EDUFBA Ano: 2013.



sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Ao meu Avô: a despedida.

Ao meu Avô: a despedida.


Eu sou forte e impaciente. Também não sei lidar com meus sentimentos, igual a você vovô. A diferença é que por não saber, eu coloco todos eles para fora e o senhor guardou. Mas esses dois últimos dias, eu fui você vovô. Eu guardei tudo para mim.
Por um momento pensei que tinha perdido a capacidade de sentir.
Mas fica tranquilo, hoje quando todo mundo voltou para casa e eu fiquei finalmente sozinha, abrir o chuveiro e chorei.
 As águas finalmente se misturaram.

Mas eu não estou triste nem nada, vovô. Estou conformada. 
Sua alma precisa de paz.

Acho também que é porque eu não acredito que a vida acabe, aprendi que a gente só volta para a nossa forma inicial. 
Lembra do cara daquela prece que eu te ensinei? 
O "mano" anjo da guarda.
Chama por ele se bater o medo. 
Mas não precisa ter medo, tá? Eu vou pedir por você daqui também!

Eu fui o que podia ter sido para você nessa experiência e você também foi o que pode.


Obrigado por ter escolhido dividir comigo essa existência. Eu te amo. Voa VOVÔRO.

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Mulheres negras em movimento: vivências e experiências para além da universidade.

Mulheres negras em movimento: vivências e experiências para além da universidade.


Arte: Maria Clara Arbex.
Texto: Vanessa dos Santos. (Van Essa)


O Auditório do Colégio Estadual da Cachoeira, será sede do Mulheres negras em movimento: vivências e experiências para além da universidade. O evento ocorrerá nos dias 31 de julho e 01 de agosto e tem por objetivo levantar discussões e a reflexão sobre as questões que englobam as mulheres negras no contexto atual. 

O "Mulheres negras em movimento: vivências e experiências para além da universidade", valoriza as vozes das mulheres negras, suas historias e principalmente os conhecimentos produzidos por esse grupo. Valoriza-se o conhecimento e a resistência do dia a dia, que vai muito além do se é produzido na universidade.


E aí? bora colar?

ATENÇÃO! EVENTO COM CERTIFICADO, MEU ANJO.

Faça sua inscrição no link abaixo:

https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSc6ciq717Y6_HsHBClLvURycuh-NbDxS5x3Zoa4UNtQDZYGuA/viewform?c=0&w=1

Se ligue nas mesas:

Data: 31/07 e 01/08
Local: auditório do colégio estadual de Cachoeira - na cidade de Cachoeira BA

Mesas:

31/07:
9:30h - conferência sobre a questão da mulher negra na sociedade atual
14:00h - escritoras e empreendedoras negras: narrativas de experiências e vivências

01/08:
10:00h - saúde, sexualidade e feminicídio; Marielle Franco: as diversas violências sofridas por mulheres
14:00h - corpo em movimento: as diferentes formas de ser mulher negra

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Os dias

Todo dia morre um jovem negro.
Tododiamorreum Pedro, um Marcos, um Amarildo.
Tododia eu morro um pouquinho.

Todo dia Maria perde um Jesus.
Todo dia Maria espera Jesus voltar.
Todo dia eu morro e sumo, porque meu corpo é alvo certo da bala perdida e da que foi direcionada.

Todo dia uma mãe chora em meio a poça que envolve o corpo de seu filho.
Todo dia eu espero que isso acabe.
Todo dia eu espero isso acabar.




Vanessa Santos (Van Essa).

sexta-feira, 27 de abril de 2018

POVO NEGRO E O DIREITO A SAÚDE NO BRASIL

POVO NEGRO E O DIREITO A SAÚDE NO BRASIL
“Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza, e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza desigualdades.” (SANTOS, 2003, p. 56)

FOTO: Vanessa dos Santos.


                                                               Um texto de: Francine da Silva Alves


O referente tema foi escolhido para a elaboração deste texto por conta de uma inquietação sobre a implementação da política de saúde da população negra.  Quando se iniciou esse processo? Como tem sido feito? Por que precisamos de uma política de saúde específica para os negros? Farei um breve relato sobre as características do racismo no Brasil e continuar com as reflexões sobre a luta contra o racismo e a introdução da política de saúde para a população negra.
Sabemos que no Brasil a característica mais apontada sobre o racismo é seu caráter não oficial, é o aspecto sutil, cordial, é o corriqueiro, e se utiliza, por exemplo, de brincadeiras, piadas, omissões e apelidos que parecem “inocentes”. A lei conferiu liberdade jurídica aos escravizados, mas estes nunca foram integrados na sociedade politicamente, culturalmente, economicamente e socialmente, pois não se realizaram projetos de assistência ou leis para a facilitação da inclusão dos negros à sociedade, fazendo com que continuassem a ser tratados como inferiores e tendo traços de sua cultura e religião marginalizados, criando danos até os dias atuais; seguido da ideologia de branqueamento, apoiada pelo governo que facilitava a entrada de imigrantes europeus em terras brasileiras, como uma forma também de extermínio, de genocídio do povo negro, que suscitou na mestiçagem, vista também como clareamento da população, criando raízes profundas na sociedade brasileira, fazendo com que os negros abandonassem sua cultura africana, se aceitassem como inferiores e subordinados, adotando os valores brancos como o ideal, e como se não bastasse foi estabelecido aos negros, por muitas pessoas, o papel de racista, o papel do vitimista, e não o de vítima do racismo, que é o que realmente somos.
Mas será que deveríamos “aceitar” ou deveríamos sempre que tivermos oportunidade apontar que esse racismo sutil é uma violência suprema, uma rejeição total, é genocida com as vitimas? Podendo até considerar pior que o racismo escancarado, não querendo colocar em uma escala do que é melhor ou pior, mas quando você é atacado diretamente, é mais fácil saber como poderia agir naquela situação e se sabe exatamente que sofreu racismo, diferente de quando se é atacado através das “brincadeirinhas”, pois muitas pessoas não percebem que é uma atitude racista e deixam “passar”, ou ficam na dúvida se é racismo ou não, muita das vezes que se é questionada essas brincadeiras, quem questiona é rotulada como vitimista, como “mimimi”, e são ditas frases como “a sociedade está chata, não se pode brincar mais”, então algumas pessoas preferem se calar a serem taxadas como “chatas”, e os estresses de lidar com essa discriminação é que causam prejuízos na saúde dos negros; esse racismo não admitido dá menos oportunidades e afeta todas as dimensões da vida dos negros.
 E se tratando da questão do negro ser taxado como racista, como nessa frase corriqueira: “O pior racista é o negro” deveríamos saber ou nos atentar e está sempre pontuando que o racismo é sistema de poder, e até onde sei os negros não tem poder em lugar algum. O racismo está entranhado de forma estrutural na nossa sociedade, trazendo consequências práticas. Ele surgiu uma vez só, então o negro não tem poder de ser racista em nenhum lugar, o racismo negro ou racismo ao contrario não tem possibilidade de existir porque a história não pode ser reinventada, como afirma Carlos Moore em uma entrevista postada no portal Geledés:



“Racismo negro não é nem possível porque os negros não podem reinventar a história. O racismo surgiu uma vez só. Não posso nem fazer comentários sobre algo tão absurdo, porque eu estaria na defensiva e é isso o que o racista quer: jogar essa acusação para que você se defenda. Eu não perco tempo com essa questão, eu coloco todo o meu tempo no ataque ao racismo.” (MOORE, 2012)

Então, a luta contra o racismo foi iniciada desde a chegada do primeiro africano aqui no Brasil, quando se perceberam como povo escravizado, como afirma Fanon “O negro nunca foi tão negro quando a partir do momento em que foi denominado pelos brancos” (FANON, 1983: p.212), deste modo foram criadas várias formas de organização pacíficas, com resultados positivos, mas sentindo falta da participação de mais aliados, pela questão do não se reconhecer como tal. Fomos ensinados a nos odiar, a não se aceitar, a acreditar que ser negro não é bom, não é normal, pela supremacia da raça branca, a eugenia, que estabeleceu que somente através dos “bons genes” é que a humanidade atingiria a evolução. Através de um raciocínio ocidental, mais especificamente europeu, esses bons genes seriam somente a raça branca. E essa ideia deu origem, a diversas violações de direitos humanos. Não tem como se amar e amar sua raça se por muito tempo às pessoas negras foram denominadas e tratadas como animais, e até hoje são sempre apontadas como inferiores.
Uma forma de potencializar a luta contra o racismo, a desigualdade, a discriminação seria com os direitos humanos, que veio com o intuito de proteger qualquer cidadão contra isso. Uma definição dada para esses direitos “consistem em direitos naturais garantidos a todo e qualquer indivíduo, e que devem ser universais, isto é, se estender a pessoas de todos os povos e nações, independentemente de sua classe social, etnia, gênero, nacionalidade ou posicionamento político”. Mas já sabemos que isso não acontece, isso não ocorre na prática e nem sempre é motivo de preocupação ou considerado algo ruim. Um exemplo simples de invalidação dos direitos e que a maioria das pessoas possuem acesso é a mídia, que é considerada o mecanismo mais importante para o avanço da democracia, porém é a maior exploradora da violência contra os negros no Brasil e de uma maneira que acaba naturalizando o genocídio da população negra. Outro fator é a incompreensível postura dos governos instalados no Brasil, que não fazem nenhuma questão de aplicar políticas que sejam próximas da verdadeira necessidade da população negra aqui, e mesmo assim fazem com que as pessoas acreditarem que estão se esforçando para a execução dos direitos humanos, que tem como característica principal a desigualdade, porque estabelecem “prioridades” para uma realidade nada condizente com a nossa. A escravidão foi o mecanismo criador das desigualdades sociais, foi ela quem desenhou nossa realidade social e parece que essa questão passa despercebida dentro do Estado que instaurou uma política de direitos humanos universal, mesmo sabendo do contexto histórico de um povo que envolve a escravidão, preconceitos, traumas, psicoses, racismo, negação de direitos, exclusão. Então esse lema de que “todos somos iguais perante a lei” é só mais um truque, um fundamento inútil, pois este tratamento de forma geral deslegitima aqueles que por anos tiveram seus direitos anulados, somente por serem negros. Não se atentam para o fato de que negros e brancos possuem necessidades diferentes, a necessidade de um negro nunca vai ser igual à de um branco que nunca sofreu discriminação racial.
Adotando uma nova perspectiva de direitos humanos, proposta pelo sociólogo Boaventura de Souza Santos, que se posiciona contrariamente à perspectiva dominante atual, de direitos humanos universal. Ele pontua a necessidade de repensar as formulações teóricas atuais e implementar um dialogo com outras comunidade no mundo. Seu maior objetivo é repensar a construção de uma perspectiva de direitos humanos que até então não atende todas as comunidades no mundo. Tratando da complexidade dos direitos humanos, mais precisamente em sua execução, ele fala que os direitos humanos podem ser uma globalização hegemônica (localismo globalizado), pensamento ocidental, ou globalização contra-hegemônica (cosmopolitismo), na luta contra a opressão e apresentando propostas de concepções não-ocidentais de direitos humanos, com diálogos interculturais sobre o assunto e levando em consideração as diferentes concepções de dignidade humana, e para ele se tornar somente uma globalização contra-hegemônica, que seria uma atividade de uma política emancipatória, é necessário evidenciar as condições culturais globais, em suas palavras:

“O multiculturalismo, tal como eu o entendo, é pré-condição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de urna política contra-hegemónica de direitos humanos no nosso tempo”. (SANTOS, 1997, p. 18-19)


Então, como os direitos humanos têm ideias dominantemente ocidentais, possuem tendências hegemônicas e ocasiona um choque de civilizações, evidenciar as condições culturais poderia ser uma alternativa para mudar essa tendência, pois estaríamos conceituando os direitos humanos como multiculturais, realizando uma relação equilibrada entre competência global e legitimidade local.
Enquanto essa perspectiva não é concretizada, e fazendo um recorte sobre saúde do povo negro, usando o texto Ubuntu: o direito humano e a saúde da população negra, da autora Denize de Almeida Ribeiro, que trás reflexões sobre o Processo de implantação da Política de Saúde da População Negra em Salvador como parâmetro, percebo que essa é uma das formas de quebra da hegemonia, porque são políticas específicas para uma parte da sociedade, mas que só está acontecendo por conta de organizações, movimentos negros representantes dessas pessoas, que acreditam que são possíveis melhorias em relação à saúde, equidade, desigualdades, religião, violência, fome. E são essas organizações que nos fazem entender quem realmente somos, de onde viemos e o porque de tanta falta de amor para com o nosso povo, por isso a importância de nós construirmos alianças internas, por conta da situação de vida comum imposta pela nossa cor, que é a característica fenotípica com qual somos estigmatizados, nas palavras de Ribeiro:

“...sem dúvida, a diáspora nos fez enfrentar nossas contradições internas e nos fez olhar, a partir dos olhos do racismo, não só para os desafio externos pautados por outros grupos étnicos, mas também nos fez repensar nosso ser no mundo, nos fez entender que precisávamos construir alianças internas não mais pautadas em características culturais próximas, mas na situação de discriminação comum imposta pela cor de nossos corpos, ou seja, por nossas características fenotípicas, uma marca com a qual nos rotularam.” (RIBEIRO, 2012, p. 125)



Portanto, um motivo do porque precisamos de uma política de saúde especifica para os negros, já foi citado, que é o de termos os direitos humanos com uma política universal, mas que não é assim na prática, logo isso afetará em todas as divisões dentro desses direitos, como na educação, segurança, saúde, etc. E quando se tem dados em diversos indicadores oficiais que avaliam o grau de desenvolvimento social, como o Indicie de Desenvolvimento Humano (IDH), em que os negros são a maioria em número populacional e ocupam as posições mais baixas é nítido que tem algo errado, mais uma prova da inviabilidade dos direitos humanos.
Foram os indicies de 2002 de Salvador-Ba, que apontavam os negros como a maioria dos analfabetos, “usufruíam” de apenas 1% na distribuição de renda, os que tinham menor escolaridade, menores oportunidades de ocupação laboral, poucas oportunidades de ascensão social, os desempregados também eram maioria negros e em relação ao salário as pessoas negras recebiam metade do que pessoas brancas recebiam, que incentivaram a implementação de ações que estivessem inseridas na Política Municipal de Saúde de Salvador em todas as áreas e que se fundamentassem no Combate ao Racismo, pois se entendia que a discriminação racial era o principal determinante social diante desse quadro que vem se perpetuando há tantos anos na Bahia, uma iniciativa do Movimento Negro Unificado (MNU).
Esse processo não se deu de forma tranquila, a discussão sobre implementação desta politica iniciou em 2004, e veio se concretizar em 2007. E eram sempre os militantes do movimento negro que contribuíam para as propostas, pois mesmo sendo uma luta do movimento negro, as pessoas que estavam à frente, as pessoas responsáveis, estruturalmente, nas instancias governamentais dos setores não eram as negras. E ressaltando sempre a necessidade de se continuar pautando esse tema, para reverter o quadro de 500 anos de opressão e negação das necessidades e demandas de um povo de grande importância em nosso país.
Outro ponto complicado, porque temos a frente das instâncias governamentais desses setores pessoas que não participam das lutas, não são negras, e maioria não acredita nem na existência do racismo no Brasil. Considerando isso um desrespeito à luta histórica dos movimentos sociais, não apenas por não serem negros, mas porque ocupam esses lugares apenas por considerarem que o lugar de comando são delas e que os negros não tem capacidade de estarem responsáveis por esses papeis, não só na área da saúde, mas em diversos outros mecanismos de luta contra o racismo e desigualdades, Denize Ribeiro define essa situação como síndrome da Princesa Isabel:

“Se caracteriza por um súbito processo de conscientização das pessoas não negras: estas se mostram tão sensibilizadas com as desigualdades que se entregam quase “voluntariamente” à causa. Embora confessem, algumas vezes, que não conhecem o tema ou que estão se apropriando dele agora; ou ainda que não estão certas de que seja necessária uma política para tal nem que exista racismo no Brasil, senão partindo do próprio negro. Mas essas pessoas têm certeza de que podem estar à frente dessas ações melhor do que qualquer outra, pois querem contribuir com a causa desse lugar como dirigentes das demandas de negros e negras.” (RIBEIRO, 2012, p. 137)



 E outro fato incrível, muito difícil de compreender é que até mesmo nas questões de luta histórica o lugar reservado as negras e negros permanecem sendo o lugar de subalternidade. Como pode isso? Quem é que vai saber mais de nossas dores, mais de nossas lutas do que nós mesmos? Um ponto contraditório também, porque ao mesmo tempo que eles sabem que precisam dos militantes de movimentos negros para ajudar na criação das propostas, eles voltam e dizem que não temos capacidade de estar a frente de nossas lutas. E como fica toda a experiência dos negros a frente do comando de comunidades quilombolas, terreiros de candomblé, organizações da sociedade civil, pequenas empresas, ocupações, invasões etc., Essas experiências não são válidas? A nossa resistência e luta contra um sistema hegemonicamente racista já nos habilita para qualquer atividade que o branco acredita ser somente para ele, acreditam e querem fazer até os negros acreditarem que o nosso contexto histórico só serve para nada além de comandar suas cozinhas. Creio que seja por medo de perder seus privilégios, que foram adquiridos através de anos de exploração, da deslegitimação dos negros, que se perpetuam até hoje. Querem fazer com que a gente acredite que eles estão nos ajudando a sair da condição que nos foi imposta, mas por trás dessa boa vontade vem à ideia de que só eles podem ser protagonista, pois nos consideram incapazes e inexperientes, e se questionados vem a afirmação de que estamos sendo racistas ao contrario, algo contraditório também, porque na maioria das vezes essa afirmação vem de pessoas que não acreditam que existe racismo, senão partindo do próprio negro.
Desta forma, o poder, esse sim, deveria ser exercido como um direito humano universal, porque a luta por equidade, que é o uso da imparcialidade para reconhecer o direito de cada um, usando a equivalência para se tornarem iguais,  é uma luta por espaço de poder e poder político para tentar acabar com o racismo, para isso acontecer precisamos propor outras formas do exercício desse poder, começando compartilhando espaços que temos acesso com pessoas que não tiveram a oportunidade de está ali também e que vivenciam das mesmas dores, causada pela discriminação, e as formas de subalternidade. Devemos aprender com o passado para entender o presente e moldar o futuro. Precisamos nos atentar diante da tarefa de construir juntos uma sociedade melhor, buscando referências que nos façam acreditar e afirmar ideias que se pautem nos direitos humanos compartilhado com todos.

Referências:

Carlos Moore destrói senso comum sobre o racismo. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/carlos-moore-desconstroi-senso-comum-sobre-o-racismo/>. Acesso em: 24 de março de 2018

FANON, Frantz (1983). The wretched of the earth. Harmondsworth, Penguin.

O que são Direitos Humanos? Disponível em: <https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/>. Acesso em: 24 de março de 2018.

RIBEIRO, Denize de Almeida. Ubuntu: o direito humano e a saúde da população negraIn: Saúde da população negra. 2º edição, 2012. Brasília: Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, p. 122

SANTOS, Boaventura de Sousa. “Por uma concepção multicultural de direitos humanos”In: Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.




quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Uma Reflexão Sobre Identidade

Uma Reflexão Sobre Identidade

                                                                             
Autora: Edna Balbina dos Anjos dos Santos[1]


[1] Quilombola de Baixa Grande no município de Muritiba

Semana passada durante o encontro do Novas Cartografias Sociais que aconteceu em Juazeiro Estado da Bahia, pude iniciar uma reflexão alterada sobre a ideia de identidade que trago comigo, para falar disso preciso falar de um bando de coisa que pode não fazer sentido em alguns momentos, mas que para mim é importante falar. A minha ideia de identidade está presa ao que veio antes de mim, para mim somos porque de fato alguém foi antes e ai é que começa a longa historia sobre a origem da minha família.
Na minha comunidade de origem até o ano de 2015 nem se ouvia pronunciar a palavra quilombo e os poucos moradores que ouviram antes da tal data tinha este lugar como algo bem distante, algo que nunca seria aqui. Eu no alto dos meus 28 anos então, já com algum conhecimento teórico (bem raso), mas não conhecia a definição de um remanescente de quilombo nem tão pouco poderia considerar que fazia parte de tal espaço, neste período meu avô Clemente José dos Santos (vô Keno), já havia falecido e nunca tinha falado sobre tal assunto para nós netos nem tão pouco com seus filhos, para situar as ideias seguintes do texto vale a pena dizer que meu vô é neto de Chico Véi e que boa parte dos atuais moradores da comunidade é desta mesma família, herdeiros do velho Chico Véi e que os ainda vivos já o conheceram velho.
Bom, acho que até ai deu pra confundir bastante as ideias, então partiremos ao que pode de alguma forma ajudar os leitores a refletir sobre a ideia de identidade e em retorno espero receber noticias dessas reflexões. Para mim, a identidade está cravada em nós conforme a historia de vida dos nossos antecessores, eu não pretendo com essa afirmação me estender ás noções de gênero, por exemplo, (e por favor) pois não faz parte ainda do meu pacote de reflexões, tô falando aqui e tentando esgotar minhas ideias sobre raça e pertencimento entre povos.
A comunidade onde vivo, segundo os moradores entrevistados no processo de autoatribuição como comunidade remanescente de quilombo, teve inicio com a vinda de Chico Véi para cá. O que relatam é que quando ele chegou a Baixa Grande as terras era ocupada por matas, a famosa mata virgem onde dizem que morador nenhum circulava depois do sol se escravar, tinham medo de muita coisa e entre um relato e outro confessam que até assombração existia por estas bandas. Chico Véi ao chegar a Baixa Grande construiu uma casa em frente á lagoa da comunidade, essa casa é chamada por todos que conheceram de fazenda grande, contam que lá além dos filhos de Chico viveram também muitos de seus netos alguns ainda vivos hoje. No meio do bocado de coisas interessantes que o povo de Baixa Grande relatou no momento da pesquisa, relataram que de lá da lagoa de Baixa Grande tiravam o sustento da família, buscavam água para manutenção da casa, lá também se banhavam e de lá saia o peixe que alimentava suas famílias acrescidos de farinha e feijão. O que podemos perceber nos relatos das entrevistas é que Chico Véi se organizou e através de sua organização possibilitou a existência de um povo hoje na comunidade de Baixa Grande, mas então observamos que em momento nenhum dos relatos as pessoas citaram o tal termo organização, eles relatam suas historias contando o sofrimento que foi existir e persistir nas terras de Baixa Grande e as vezes que tiveram que driblar as dificuldades para hoje estarem vivos e até mesmo para criarem os filhos.
No meio dos relatos foram muitas descobertas e o que gerou um estado de choque é como a comunidade de Baixa Grande é ligada como veias arteriais, se a gente decidisse desenhar a arvore genealógica da comunidade seriam muitos galhos, mas acredito que não necessitaríamos de duas raízes. Quando me refiro ao povo de Baixa Grande em relação a parentesco se resta duvidas sempre digo: - Deve ser parente, aqui todo mundo é parente. E essa identificação sempre existiu.
Voltando á ideia de identidade (sem nunca ter saído dela), a identidade de remanescente de quilombo para Baixa Grande sempre esteve presente entre seu povo, portanto o que não existia era o termo e isso me inquieta, porque os termos são criados de fora, assim como Chico Véi organizou a construção da comunidade e isso não existem relatos de que ele fez com base no que aconteceria futuramente, sempre foi do mesmo jeito nosso processo de identificação enquanto remanescente de quilombo. Sempre existiu certa separação da vizinhança em relação ao povo de Baixa Grande, eu mesmo nunca entendia porque isso acontecia, vou relatar um exemplo: Conforme os herdeiros de Chico Véi foram vendendo suas terras para estranhos que não se consideram negros (porque seu tom de pele lhe permite negar ou assumir uma identidade), e que por sinal dos relatos estas terras foram vendidas por preços baixíssimos, estes novos possuidores de terras baixa-grandenses iniciaram o processo de negação em fazer parte do território de Baixa Grande (para estes é possível negar, pois não são mesmo parte do povo de Baixa Grande), por fim o que existe é a diminuição do que em relatos dos mais velhos seria Baixa Grande, porque alguns que por não serem negros não querem nem por empatia fazer parte de Baixa Grande, não sei se o exemplo ajudou (acredito que não), o que quero dizer de fato é que a identidade de quem é de Baixa Grande já existe e isso independe de negar ou assumir, o mesmo vale para nós aqui da comunidade na questão cor/raça (chamem lá como queira), quem é de Baixa Grande NUNCA poderá negar sua cor, somos retintos e por sermos retintos somos considerados diferentes que não se perdem em canto nenhum, pois se são pretos assim, só podem ser de Baixa Grande, isso no meio de jargões horríveis para tratar com o povo daqui e assim durante minha infância me incomodou muito, se eu pudesse não seria de Baixa Grande pois me sentia mal em ser diminuída o tempo inteiro, mas nunca pude deixar de ser (minha identidade nunca me deixou), na adolescência como fui preterida por ter esta identidade, mas nunca foi possível negar e quantas vezes me causou suor de vergonha as piadinhas para mim e para aqueles que eram de Baixa Grande, por quantas vezes tive minha identidade inferiorizada por ser parte daquele povo... Quantas vezes? Foi com isso que aprendi que tem coisas que não dar para negar, coisas que não tem canto que der pra esconder e essas coisas que não tem canto que caiba como esconderijo é o que somos de verdade, coisas que se a gente falar que não somos vai ter uma plateia pra ri da gente. Mas ai vale escrever também que existiu um momento que não sei defini em que eu compreendi porque de nos julgarem inferior aos demais, e esse momento se deu no pós-partida do meu avô (vô Keno), não sei explicar, sei que depois que ele partiu para o outro plano compreendi muita coisa, descobrir muita coisa sobre minha ancestralidade e não existe texto que esgote o sentimento pelos meus ancestrais, pela terra que Chico Véi garantiu para nossa existência, pelo ar que posso respirar na minha comunidade, não tem texto nem explicação teórica que consuma este sentimento, o que posso com base nessa experiência é no máximo dizer que a identidade pode ser assumida em determinado momento e assumida na ideia de se engrandecer em ser parte daquele conjunto, como no meu caso que o que antes era fardo se tornou o melhor de mim. Talvez o que esteja dito em minhas palavras é que para nós pretos, quilombolas... não há espaço entre ser e  negar. Ainda que tentemos, no máximo iremos ser ridículos.
Eu quero citar outro exemplo bem recente: Estava em um determinado lugar e ouvir sem querer (ou querendo?) a conversa de alguns rapazes e na conversa um deles afirma ser parte de uma comunidade pobre e aos meus olhos, negra, e é logo surpreendido pelo colega que questiona não ser ele quem diz sempre não ser daquele lugar e o pobre na tentativa de esconder sua origem se vale da negação dizendo que não é mesmo de tal comunidade e usa o nome de uma comunidade vizinha para dizer ser a sua. O que acontece no meio da mangação dos rapazes é que aquele que tenta negar sua identidade, seu povo, é sempre visto como inferior e subalterno por está tentando introduzi-se em um mundo onde seu corpo é estranho, e no meio do desconforto de ser quem é ele sempre continuará sendo quem é apesar das diversas tentativas de fuga. Todo esse acontecimento é reflexo dos estereótipos ligados á população negras e pobres na tentativa de diminuir a autoestima desta e que infelizmente tem força em especial entre adolescentes e jovens e que se fortalece com base na falta de conhecimento de suas origens, quando a historia de um povo é negada facilita para que seus ancestrais não sejam amados.
Acho bom dar uma pressão nas ideias para acabar o texto, quando Chico Véi iniciou na comunidade o processo de resistência garantindo sua própria existência, a de filhos, netos e assim por seguinte, ele nem imaginava o conceito que caracteriza um quilombo, ou talvez se imaginasse sua organização enquanto um espaço quilombola fez isso sem passar estas ideias para os netos, pois nas conversas que tive a honra em ter com eles nenhum tem conhecimento de que o avô se organizou pensando um quilombo e o quilombo de Baixa Grande existe como fruto da resistência de Chico Véi depois veio outros homens e mulheres que contribuíram para que estejamos aqui hoje, mas naquele inicio o que contam é que Chico Véi deu o primeiro passo e trouxe outros. No entanto, a passagem de Chico Véi por Baixa Grande sem se afirmar enquanto quilombola não diminui sua identidade enquanto tal e seguido por ele tiveram vários outros homens e mulheres que por aqui passaram antes mesmo da atribuição da comunidade enquanto remanescente de quilombo, mas que em nada são diferentes dos outros de Baixa Grande que hoje vive e que se consideram quilombolas. Com esse bando de loucura o que eu quero dizer é que existe muita coisa entre um texto e o que os sujeitos pensam de si no modo de pertencimento identitário e aqui estou falando com base em minha identidade e pertencimento enquanto parte do povo de Baixa Grande, nossa historia está mesmo alem de tudo isso e esse bocado de definição que nós fazemos com base na ciência é que confunde tudo, é muito difícil fazer ciência e pensar a gente mesmo.

                       

Espero gerar reflexões, discordâncias, concordâncias e receber textinhos de volta

Um texto de: Edna Balbina dos Anjos dos Santos

terça-feira, 23 de maio de 2017

Manifesto contra a tortura localizada.

Manifesto contra a tortura localizada.


Às vezes eu não sei como a gente consegue sorrir ou descansar com esse turbilhão de exigências. Tem sempre um espelho, uma câmera frontal, uma televisão ou uma tia (vitima desse mesmo sistema) nos dizendo o quanto a gente ficaria mais bonita se emagrecesse, se tivesse um peito maior ou um peito menor, uma bunda grande ou pequena, traços mais "finos" ou uma boca mais carnuda e assim vai.

Entre um efeito sanfona e outro, sempre achamos que a felicidade se encontra na tal forma perfeita. Sofremos tanto correndo atrás de uma cintura fina ou de uma coxa mais durinha que abdicar de coisas que você adora para alcança, manter e assim ficar em paz, não parece tão mal assim. 

"O que eu não posso é ficar gorda" é uma frase corriqueira ou talvez  um "queria tanto engordar mais uns quilinhos e finalmente caber naquela roupa". Estamos sempre nos cobrando. A tortura é nível master. E mesmo tendo referências de mulheres felizes com seu próprio corpo quando a calça aperta o desespero vem sem pedir licença.
E aí começa uma luta desesperada contra você mesmo, e a palavra low carb, entre outros nomes de dietas milagrosas, passam a fazer parte da nossa rotina. A internet esse mal necessário, nunca teve tanta serventia, já que há sites disponibilizando lista do que comer ou não comer em caso de pressão social. E finalmente você emagrece. 

Mas espera ai mocinha, você acha que agora vai ter paz?

Não, não.

já ouviu um "tá doente?" "tá sofrendo?", "o que aconteceu com seu corpo?” “você está flácida!”  hoje?

É melhor ganhar massa muscular.

Vamos usar agora esse suado dinheirinho com uma academia e acabar com essa flacidez que te faz lembrar o tempo todo daquele seu passado. Depois de 5 meses de academia e de barrinhas de cereal substituindo uma refeição, você finalmente vai está bem ou perfeita. Né?

Não!

Mas seu foco talvez seja deixar seu corpo "trincado" e ai você é obrigada a ouvir frases como "e esse corpo, aí? Parece um homem" "aff menina, você tinha um corpo tão lindo" "porque não deixa ele mais feminino".

Entende? Não importa o que a gente faça, nunca está bom o suficiente.

Então o que resta é AMAR. Sim, AMOR PRÓPRIO! 
Construir esse sentimento por nós mesma. 

Sabe, tem dias que é foda encarar o espelho que grita por um manequim que se enquadre num padrãozinho vigente. Mas tem outra coisa, esse espelho mente e é tão falso quanto aquele da madrasta da Branca de neve. Lembra quando ele disse que a Branca de neve era mais bonita, ele mentiu. A Branca de neve é tipo a moça da capa da revista, o tipo ideal que não existe.
E ele continua mentindo todos os dias. E mente pra você, pra mim, pra sua melhor amiga, para as migas que passam o dia na academia (não por vontade mas por imposição)... Sabe ninguém está impune.
Eu queria que a partir de hoje seus olhos não utilizasse mais o filtro de repressão, nem contra o seu corpo e nem contra o da coleguinha. Eu queria tirar ele dos meus olhos também.
Acho que vale escrever todos os dias em um papel "eu me amo" e "não há nada de errado com meu corpo e nem com o das outras mulheres". Dizem que escrever nos ajuda a absorver aquilo que se quer aprender.

Ou talvez falar umas verdades pra nós mesmas na frente do espelho, tipo um "que mulherão da porra" ou "tá linda, linda" resolva.

Talvez devêssemos acreditar nessas técnicas e fazer um detox mental, para ajudar a eliminar esses pensamentos nocivos.
Espero que você fique bem e que eu também. Espero que não nos falte amor próprio,  que a gente se aceite e que haja mais gentileza nesse olhar sobre nós mesmas e sobre as outras mulheres.
Não tem sido fácil para elas também.


Mulheres de todo o mundo, se amem.
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